São dez horas da noite, em redor
tudo em silêncio. Telefone no ouvido. Do outro lado, palavras gritadas.
Repetidas três vezes.
- Marcos, você é ridículo!
Ridículo! Ridículo! - De repente, o telefone fica mudo como o ambiente
noturno... O que ficou? Constrangimento. Também uma mistura de melancolia e
ressentimento. Essa é uma cena comum em muitos trabalhos de teledramaturgia, principalmente mexicana.
Caro leitor, começo esse texto
com essa ilustração, porque nesses dias essa palavra (adjetivo) que usamos e
ouvimos com alguma frequência pegou-me pelos pés e (por que não?) socou-me os
ouvidos. Por que ela nos entristece, nos enfurece, nos constrange tanto? Até
parece que essa palavra é uma das únicas a vir à tona em momentos críticos,
quando estamos sendo fustigados ou incomodados: “Ridículo!”.
Entre tantas coisas, talvez esse
adjetivo desperte em nós esses sentimentos, porque, quando usado, acorda risos
e escárnios, nos concebendo como insignificantes. Ou seja, culturalmente ser
chamado ridículo é submeter-se à zombaria, ao sarcasmo e ao menosprezo de
outrem; é mesmo perceber que quem nos denomina dessa maneira não faz caso de
nossas atitudes, pelo menos naquele momento; nos desprezando, talvez
momentaneamente, por sermos ridículos.
Confesso, caríssimo leitor, que
essa palavra despertou em mim curiosidade e vontade de entende-la; uma vez que
condenamos tanto o “ser ridículo”. Acabei descobrindo ligação inseparável entre
esse adjetivo e um substantivo que vez ou outra toma a forma de um verbo, o que
todos já falam mesmo, o que pode ser verdade, não duvido: o amor é ridículo! “Amor”
e “Ridículo” já têm uma relação longa, entre tapas e beijos perdura essa
relação.
É como disse Stendhal sobre o amor-eros, que uma
pessoa amada não percebe que o é, por conta do próprio amor. Que, quando está
feliz no amor, tem o aspecto profundamente absorto (concentrado, extasiado),
profundamente triste. Tem coisa mais confusa que esta? Realmente começamos até
a enxergar alguma tolice nessas diversas atitudes a que chamamos genericamente
de amor.
Chego mesmo a uma conclusão,
conclusão essa que talvez filósofos, escritores, romancistas não se deteram
muito: amar é ser ridículo. E aqui, leitor, começo a ressignificar o famigerado
adjetivo de que tratamos aqui. E começo também a divagar sobre esse “amor
ridículo”.
Eu sei... muita gente não
acredita em amor, achando que ele é uma invenção tola e ridícula (vale a redundância!) de poetas desocupados. Conheço mesmo frases que dizem que quem não sabe dissimular
não sabe amar, ou que amor é fugaz, pois um novo sempre expulsa um velho
(frases de Stendhal também). De fato, muita gente está desacreditada do amor e,
talvez a traição tenha muito contribuído para tal. Já vi também pessoas que tem
medo de amar, seja o que ou quem for.
Talvez o amor hipócrita-religioso
(não bíblico, que fique claro), tenha feito com que duvidemos dos discursos
“melados” e inúteis ditos por aí e também de muitas declarações sinceras. Sabe,
as misérias sociais nos mostram que em lugar de ‘amor ao próximo’ existe o ‘desprezo
ao semelhante’. A corrupção política nos ensina que não há amor à nação, pelo
povo. O tal “Oh Pátria amada, idolatrada, salve! Salve!” seria uma mentira
cantada em cada clássico de futebol? E aquele coro lindo, que continua bradando
depois que a musiquinha acaba?
Os infanticídios Brasil afora
absurdamente nos mostram que nem ‘amor de pai’ resistiu. Acabou expurgado
diante das violências, enquanto um cadáver de uma menina era jogado pela
janela; ou quando um garotinho recebeu uma injeção letal (não sei se da madrasta ou do pai ou de ambos e mais alguém) por ser
“insuportável”.
Diante disso (e muito mais que
vai passar na retrospectiva desse ano na TV, com Sérgio Chapelin) não me espanto que coloquemos o
amor em xeque, que o desprezemos, que chamemo-lo de tolo ou ridículo. O que dizer,
quando estamos diante de nossas mães espancadas e de olhos roxos, ou mesmo
caídas e inertes pela invasão violenta de onze tiros? Passamos a não acreditar
no amor-casamento. Achamos que todo mundo trai, não é mesmo?
Mas leitor, detive-me num texto
que sobrevive aos séculos, que foi escrito por um cara que surpreendeu o seu
tempo e deu um novo olhar ao cristianismo, como disse meu amigo Kennedy. Alguns
o conhecem como Paulo de Tarso, outros como São Paulo. Queria destacar essas
palavras suas, que traduzi livremente da versão traduzida inglesa da Bíblia
Sagrada conhecida como New International Version (NIV), que considero muito
simples e clara, porém profunda. Segue o que descobri sobre o amor:
“Se falo
nas línguas de homens e de anjos, mas não tenho amor, sou apenas um gongo
ressoando ou um címbalo fazendo barulho. Se eu tenho o dom de profecia e posso
entender todos os mistérios e todo o conhecimento, e se eu tenho uma fé que pode
mover montanhas, mas não tenho amor, eu sou um nada. Se eu dou tudo o que
possuo aos pobres e entrego meu corpo às chamas, mas não tenho amor, eu não
ganho nada. O amor é paciente, o amor é amável [bondoso]. Ele não inveja, ele
não se gaba, ele não é orgulhoso. Ele não é rude, ele não é egoísta, ele não
fica facilmente enraivecido, ele mantem-se sem recordar de erros. O amor não
sente prazer no mal, mas regozija-se com a verdade. Ele sempre protege, sempre
confia, sempre persevera. O amor nunca falha. Mas onde há profecias, elas
cessarão; onde há línguas, elas serão silenciadas; onde há conhecimento, ele
deixará de existir. Pois nós conhecemos em parte [não conhecemos tudo] e
profetizamos em parte [não profetizamos tudo]. Mas quando a perfeição vem, o
imperfeito desaparece (...). E agora
esses três permanecem: a fé, a esperança e o amor. Mas o maior de todos é o
amor.” (I Coríntios capítulo 13: 1-10 e 13).
Que texto! Suspiro com essas
palavras. Concluo com tais letras que em verdade não temos amado e que damos o
nome ‘amor’ a outras coisas que não amor. Paulo diz que ele poderia ser um
grande poliglota, que falasse até línguas angelicais, mas que sem amor não
passaria de um gongo barulhento. De fato, Paulo, existe muito barulho e pouco
amor. E veja que o problema não é o barulho, mas o amor. Continua dizendo que
poderia mesmo ser um profeta sensacional, ou um grande intelectual/cientista;
poderia mesmo ter uma fé fantástica, a ponto de mover montanhas; Paulo poderia
ser mesmo o mais caridoso de todos os homens, o mais altruísta; até mesmo
chegar a se sacrificar por causas nobres; mas se não houvesse amor nisso tudo,
ele não passaria de nada, tudo seria em vão.
Mas o que é esse amor de que
tanto ele fala? Ele está abordando um amor muito especial, o amor de Deus por
sua criação, pelo ser humano, um amor-modelo. Esse amor são atitudes daquele
que mostra perseverança na continuação das metas e objetivos construídos em
algum passado. São também as grandes alegrias, contentamento, a folia mesmo na
presença de outrem, na sua chegada por exemplo. É a gentileza, a delicadeza, a
ação nobre do dia-a-dia. E por que não?
É o amparo, o cuidado com os interesses do outro em momentos especiais e
críticos, tomando sua defesa, preservando-o de danos, desenvolvendo-o e enriquecendo-o
com vários benefícios; tendo uma segurança íntima, uma esperança firme de que
as coisas podem ser melhores, de que o outro pode ser melhor; é ter um canal de
comunicação aberto e sincero. É persistir, conservando-se firme e constante,
pertinaz diante do inacreditável ou impossível, da rejeição ou rudeza.
Nossa, olhando tudo isso e o que
o amor faz ou não faz, concluo eu mesmo que o amor é ridículo em todos os seus
aspectos! Nesse mundo egoísta e corrido, intransigentemente imediatista, como é feio amar! O amor revela, pois, não só nossas qualidades, mas nossas fraquezas e as regras populares dizem que não podemos fazer isso! Amar
realmente enoja. Caramba, percebo mais: que é esquisito amar e falar de amor.
Nesses tempos de natal e cidade
iluminada, queria compartilhar com vocês um dado: Deus é ridículo. Raciocine
comigo (calma...): tem coisa mais doida do que ele, Deus, descer à terra, submeter-se às
limitações de um corpo humano, de uma vida humana cheia de problemas, e viver entre nós? Percebemos tudo isso quando o
evangelista João diz que “(...) Deus
amou tanto o mundo, que entregou seu único filho, quem acredita nele não
perecerá, mas tem a vida eterna.” (João capítulo 3: 16 – NIV – tradução minha).
Deus é ridículo, porque nos amou, tendo objetivos e metas para conosco,
alegrando-se porque temos a oportunidade de não perecer, nos amparando de uma
existência vazia. Por amor, Ele submeteu-se à zombaria, ao sarcasmo e ao
desprezo.
Se não acredita no que digo,
escute isso. Uma vez Deus enviou um anjo à cidade de Nazaré, na Galiléia, a uma
virgem prometida em casamento a um certo carpinteiro. O anjo subitamente aproximou-se
dela e disse que ela tinha sido favorecida grandemente. Assim a mocinha ficou
imensamente perturbada com essas palavras, afinal de contas não é todo dia que
se conversa com um anjo. Logo, o anjo lhe disse que não ficasse com medo,
porque ela havia encontrado favor de Deus,
e que conceberia e daria a luz a um filho, mesmo sendo virgem e pelo
poder do Espírito Santo, e daria a ele o nome de JESUS. Passado algum tempo, as
palavras do anjo se cumpriram e numa simples vacaria encontravam-se Maria, José
e o menino-Deus, que estava numa manjedoura. Que cena amorosamente ridícula, “heaven comes down”, como disse Daniel
Bashta em sua bela canção Heaven. O
céu desceu até nós naquele dia, os exércitos celestiais fazendo folia pelos
céus de Belém, fazendo a glória do Senhor resplandecer sobre Pastores e seus
rebanhos. Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens de boa vontade.
Paz na terra aos homens que estavam afastados e separados de Deus.
Numa manjedoura, Deus começava
perseverantemente a nos reconciliar consigo mesmo. A buscar uma reaproximação,
um recomeço. Mas o ponto mais crítico e mais ridículo do amor de Deus foi sua
morte na cruz. Que escândalo, Deus estava morto por nossos pecados. Por seu
sangue, por suas lágrimas e sua dor, ele foi ridicularizado; para nos defender
do mal, da morte eterna também. Não precisa nem citar que ele venceu a morte e
ressuscitou vitorioso por amor ao terceiro dia.
Falei de tudo isso, perseverante
leitor, porque sei que amar é se expor ao ridículo; e Jesus nos ensinou isso
desde a manjedoura até à cruz. Portanto, assumo publicamente que sou ridículo
para meus familiares, amigos, colegas, futura esposa, futuros filhos, futuros
clientes, futuros alunos, etc. Pois estou mesmo afim de viver o amor, viver I
Coríntios 13. Ridiculamente amo e aprendo a amar. #souridiculo.
Feliz Natal!